Don't panic !
Passar na rua de mãos enterradas nos bolsos e auscultadores bem colados aos ouvidos. Olhar para o céu e sorrir, cantar a nota mais alta sem abrir a boca. Sair do corpo, ser mais gigante que o próprio mundo. Voar sem tirar os pés do chão. Planar num momento simplesmente inesquecível e inesquecivelmente simples. Ter a eternidade no olhar.
Ser livre... Só ali, só porque sim.
E depois voltar. Deitar na cama, afundar a cabeça na almofada, os auscultadores ainda colados aos ouvidos. Saber o que tem de ser feito, embora custe. Morrer e tornar a nascer, e tornar a morrer, num só momento. A guerra nas entranhas, o estranho sabor a desilusão nas pupilas gustativas do coração. Saber o que sempre se soube, sem ter coragem de realmente o entender.
Tomar decisões... Abanar a cabeça ao ritmo lento da música, as lágrimas a molhar de quente solidão a almofada.
Simplesmente chorar.
E depois dormir. Assim, sem mais nada.
Porque amanhã é um novo dia.
[foto tirada por mim, em Berlim]
Perspectivas alemãs
Meus amigos, escrevo-vos de Dresden, Alemanha!
Peço desculpa pela demora no novo post, mas os turistas não têm tempo para essas coisas... (eheh)
Devo dizer-vos que estou a adorar. Isto é absolutamente lindo. Berlim é uma cidade fantástica, e Dresden é
tal e qual Wisteria Lane, do "Desperate Housewifes"...
Aqui é tudo muito perfeito. Demasiado perfeito! As pessoas são educadas e civilizadas, não há papéis no chão, é seguro uma rapariga andar sozinha na rua à noite...
Quase sinto saudades de ter medo de andar de metro! Aqui ninguém faz mal a uma mosca... Anda-se na rua sem ter de olhar por cima do ombro à procura de possíveis meliantes... Pfff... Assim não tem piada!
Enfim... É, de facto, uma terra lindíssima. Mas tem um defeito enorme... Está
sempre a chover.
Eu adorava o Inverno, quando era mais p
iquena. Adorava ver chover e acordar com tempo cinzento. Mas isso era na minha fase pseudo-depressiva. Agora, se há coisa que amo incondicionalmente, é o Verão. E sinto-o cada vez mais curto! Logo, devem imaginar a minha cara quando a minha mãe me informou que uma semana do meu (já curto, e tão amado!) Verão ia ser passada em terras germânicas...
Não me levem a mal. Sinto-me muito grata por ter a oportunidade de conhecer a Alemanha, e isto é realmente fantástico. Mas eu este ano ainda quase não fiz praia, e tenho muitas saudades de estar deitada na areia, a "brincar aos bifes na pedra" (
hommage à minha querida Inês... olá Inês!), a levar com as ondas em cima... Tenho saudades de praia!! E o tempo por aqui está a deixar-me um bocadinho deprimida...
Eu sou daquelas pessoas que gosta de viver tudo a seu tempo, de apreciar tudo o que tudo tem de bom (perceberam?). Gosto da Primavera, do Verão, do Outono, do Inverno... Mas cada coisa a seu tempo! Se eu já estava deprimida pelo facto de já estarmos quase em Setembro (o que significa o fim das férias, que este ano foram mesmo muito curtas...), então ainda mais deprimida me sinto quando chego aqui e vejo chuva, frio, camisolas, vento, aquecedores ligados, botas impermeáveis... É como se tivessem antecipado o Inverno!
Eu ainda não tive tempo de usufruir decentemente do meu biquini! Não me tirem o sol!!
E o Outono, onde foi parar?! O tempo bonito mas fresco, as árvores num
strip constante, a minha rua coberta de folhas castanhas... Eu adoro o Outono! É como a preparação psicológica para o Inverno... Onde está ele??
Aiai... Cá vou aproveitando, entre molhas e secadores. Tenho é saudades de Lisboa menina e moça, e do pôr do sol às 9 da noite...
Mas o que é isto?...
Eu sei que o título do post parece alusivo ao
Rap dos Matarruanos (que, já agora
recomendo vivamente a quem ainda não viu), mas o tema é para tudo menos brincadeiras.
No outro dia recebi um mail deveras
bizarro (é óbvio que tinha sido enviado pelo meu irmão, perito nestas coisas). O mail tinha um texto e um vídeo; eu passo a citar o texto (que estamos de férias e um bocadinho de preguiça nunca fez mal a ninguém):
«
Este filme é um caso verídico....Mostra um político norte-americano que, após ter sido descoberta uma corrupção em seu nome de (somente) US$ 15.000,00, chama a imprensa, lê sua carta de renúncia, pede desculpas à família e à nação, e suicida-se em frente às câmaras e aos estupefactos jornalistas... »
E depos o vídeo propriamente dito mostra precisamente isso: o senhor político (haja respeito!) a ler uma carta (suponho que de renúncia, mas o som é muito mau e não se percebe bem o que ele diz) e depois a pegar numa pistola, a metê-la na boca, e depois, entre os gritos histéricos da multidão, a premir o gatilho.
Foi uma cena bonita, portanto.
Agora o que me espantou nem foi a cena propriamente dita (isso há malucos para tudo; eu pessoalmente acho que sujar uma sala tão bonita era dispensável) mas a minha própria reacção. O meu primeiro pensamento após ver o vídeo foi "Hmm... Então foi assim que ficou o Kurt Cobain..."
[para quem não sabe, o Kurt Cobain era o vocalista dos Nirvana que se suicidou em 1994 com um tiro na boca; eu sempre me recusei a ver as fotos do cadáver... acho pouco higiénico=P]
Ora pois... Para se pôr um vídeo destes a circular na internet, é porque tem audiências, é porque as pessoas gostam de ver este tipo de coisas.
A minha pergunta é: será que estamos a ficar tão insensíveis que ver um senhor a dar um tiro na cabeça e ficar a esvair-se em sangue no chão (e acreditem que a imagem não era de todo bonita) já não nos tira o sono?
Acho que já estamos tão calejados pelo mal que vemos todos os dias no mundo, que para nos chocar precisamos de uma dose bem mais forte do que dantes. É como com os medicamentos ou com as drogas: tanto as usamos que criamos resistências, e às tantas as doses que usávamos já não têm efeito em nós, precisamos de doses mais fortes, de doses cavalares.
Mas o problema é que este caso não é único. Sei de amigos meus que desde os 12 anos (ou mais cedo, não sei) visitam regularmente sites como o
assustador, que se dedicam ao sensacionalismo puro (tipo telejornal da TVI, mas em grande escala), com vídeos de execuções ao vivo, imagens de cadáveres, e outras coisas deveras interessantes.
O que é que se passa com o mundo de hoje? Os avisos do tipo "este vídeo pode conter imagens chocantes para as pessoas mais susceptíveis" só garantem que os espectadores não mudam de canal... Já ninguém tapa os olhos às criancinhas caso se passe por um atropelamento; pelo contrário, as pessoas fazem questão de se aproximar e de comentar o sucedido com o parceiro do lado (que nunca viu mais gordo).
A pergunta impõe-se (e tem como banda sonora "
Where is the love", dos Black Eyed Peas):
estaremos viciados na violência?...
Ericeira... um estado de espírito!
Já muitas vezes me perguntaram o que era, afinal, a "Ericeira". Longe do óbvio, a Ericeira a que as pessoas se referem quando me fazem esta pergunta não é a vila no concelho de Mafra... Ou melhor, a vila, propriamente dita, até é, mas o que quero dizer é que, para mim, o conceito de Ericeira vai muito para além disso... E, como ninguém parece compreender (até porque eu não sei explicar!) resolvi tentar explicá-lo com este post...
Ericeira. Tudo começou dia 17 de Junho de 2005. O primeiro dia de férias de Verão... O primeiro dia do resto da minha vida.
No princípio, como disse o Xicão, era só um grupo de pessoas que se juntou para passar umas férias bacanas. Agora, foi elevado a estado de espírito. Porque o que se vive lá passa tanto o material, o físico, o palpável, que só quem já lá esteve é que consegue compreender o que estou a dizer.
Exteriormente, parece apenas um grupo de putos que se junta numa casa e vive uma vida longe de tudo e todos durante uma semana. Mas lá de dentro, é...
. é o cheiro da casa, que se sente mal se entra no prédio e se começa a subir as escadas...
. são as tardes a atrofiar, com 10 pessoas deitadas umas em cima das outras, num sofá minúsculo, a ver filmes da tanga (e outros que nem tanto)
. são as noites intermináveis, com 1000 histórias diferentes...
. são as tardes passadas na praia, a assistir ao pôr do sol...
. são os passeios nas furnas
. são as "life-changing conversations"
. são os amuos de uns, são as escorregadelas de outros
. é Bob Marley a passar até enjoar
. são os risos, as crises de choro, as loucuras, as danças, as estupidezes...
. é jantar esparguete com ketchup a ver "O Cofre"
. é loiça lavada e é loiça partida...
. é praia de dia e praia de noite
. é o desespero de não ter dinheiro para comer e, apesar disso, rir à gargalhada
. são as frases memoráveis
. são as inacreditáveis sessões de fotos
. é amor no seu estado mais puro...
. é Punky Reggae Party =)
compreendem agora?...
Criancices...
Parte 1No outro dia aconteceu-me um fenómeno estranho: estava eu a fazer já não sei muito bem o quê em frente ao espelho da casa de banho (a lavar os dentes, ou qualquer coisa assim...) quando me veio à cabeça, já não sei porquê, aquela música que costumava cantar na minha mais tenra infância, com as minhas amiguinhas (quando não estava nos ensaios da minha famosa banda
Abandaapanhousoleficoulouca, como a minha tia fez o favor de me lembrar no outro dia...).
Não sei se estão familiarizados com a melodia e/ou coreografia (sim, tinha direito a coreografia!) mas eu passo a transcrever a letra:
À uma eu nasci, às duas me baptizei,às 3 pedi namoro e às 4 me casei.Às 5 uma dor, às 6 uma aflição,às 7 o senhor doutor e às 8 no caixão.Às 9 a caminho, às 10 no cemitério,às 11 lá no fundo, e às 12 lá no céu...Béu, béu!!E estava eu muito divertida a lembrar-me dos bons e velhos tempos em que cantávamos isto euforicamente, com um sorriso na cara, quando olhei para o espelho e vi o meu reflexo...
Lá estava eu, 16 aninhos ainda frescos, com bastante para trás e (espera-se!) ainda muito pela frente... A minha cara estava diferente de quando tinha 6 ou 7 anos, mas ainda assim os traços eram reconhecíveis... Era a mesma pessoa que cantava aquela canção, mas com uns aninhos em cima...
E pensei: "Agora tenho 16 anos... (não é assim tanto, mas ainda é alguma coisa!) Tanta coisa já se passou na minha vida desde aquele tempo... Tantas mudanças, tantos passos dados, tantas memórias..."
Até aqui há uns tempos, eu queria apagar da minha memória a pessoa que fui no meu passado... Olhava para as fotos e sentia desprezo por mim mesma, por quem tinha sido... Achava que tinha tido atitudes estúpidas, que era idiota e que não merecia ser recordada! No fundo, achava que só esta última "versão" de mim, a mais actualizada (a dos 16 anos!) é que prestava, que o resto era lixo...
Mas este pequeno episódio do espelho, parecendo pouco importante, mudou a minha visão:
eu estava, mesmo inconscientemente, a confrontar a minha infância (ao cantar a canção e ao reviver as memórias) com o meu presente (ao ver a minha imagem actual no reflexo do espelho), e apercebi-me de que o presente não era absolutamente nada sem o passado.
Ou seja, trocado por miúdos (literalmente!), que eu hoje em dia não seria metade de quem sou se não tivesse sido quem fui no passado.
E, além disso, se eu penso que com 16 anos cheguei onde queria chegar, sei perfeitamente que, quando tiver 18, vou olhar para trás e pensar "Meu Deus, como é que eu era assim com 16 anos?!... Que pita!" (como diria o Tó Zé=P)
E cheguei à conclusão de que não devo desprezar as minhas próprias memórias, mas sim relembrá-las com um sorriso, porque fizeram de mim o que sou hoje...
Parte 2
Cá em casa, nestes últimos dias, tem havido uma "revolução das fotografias": todas as fotos antigas estão a ser desenterradas dos seus cantos poeirentos para serem reorganizadas, catalogadas e novamente arrumadas, na sua devida ordem.
Eu e o meu irmão estamos, portanto, a braços com mais de 1000 fotografias, algumas com mais de 16 anos (sim, antes de eu nascer! Do tempo em que eles eram felizes!!)
Logo, isso dá direito a ver as incríveis figuras que as pessoas faziam nos anos 80 (e isso é sempre divertido), mas também dá direito a reviver memórias há muito enterradas...
As minhas exclamações ao ver as fotos são do género: "Oh, aquele vestidinho... Já nem me lembrava dele!" ou "Ai, meu Deus, como é que me deixavam andar assim?!?"
Enfim... Estava eu nas minhas lides fotográficas quando encontrei um monte de fotos da minha pré-primária e primária. Ora, para quem não sabe, o meu grupo de amigos ainda conta com criaturas que conheço desde os 3 anos... Logo, é sempre giro ver aquelas fotos, porque se sabe o caminho que as pessoas fizeram, mais de 10 anos (!) depois.
Encontrei uma especialmente engraçada, em que estava eu, a Joana Abreu, a Sofia Cruz, o André Baleiro, o Martim Costa, o Bernardo Paixão, o Gonçalo Santos, o Manuel Sequeira, o Salvador Mira...
Isto é giríssimo, porque nas fotos parecemos crianças super inocentes, mas actualmente sei de coisas que cada um de nós fez que é melhor nem serem referidas... (eheh)
Bem... O André ainda é um dos meus maiores amigos actualmente =)
O Manel, não falava com ele há anos (via-o de vez em quando no Whispers), mas reencontrei-o no ano passado na Ericeira, onde "reacendemos" a amizade (que bonito! =P)
O Gonçalo ainda no outro dia me tentou persuadir a ir ao Sudoeste com ele...
O Salvador está na minha escola... Não costumamos falar, mas ele anda por lá e eu também...
O Bernardo, encontrei-o no Garage há coisa de um ano... Está altíssimo, com uma gadelha gigante, e tem um piercing na orelha...
A Sofia Cruz, há uns 2 anos que não a vejo, mas sei que anda no Rainha D. Leonor...
A Joana Abreu também é da minha escola; não temos falado mas sei que anda "por aí"...;)
Também encontrei umas fotos minhas, no final do 4º ano, com o meu então afilhado Tiago Neto, que por acaso reencontrei Dezembro passado no Encontro de Natal dos Grupos, uns 7 ou 8 anos depois...
(Re)vejam e riam-se!
Fofinhos, não é? =P
Devaneios musicais pelo Bairro Alto e noite adentro
A minha última incursão ao Bairro Alto foi na 4ª feira...
Normalmente, estas noites no Bairro são dominadas por conversas profundamente filosóficas (ou duvidosas, depende do ponto de vista) entre a minha pessoa, o André Baleiro e o Miguel Picciochi... E nesta última, a meio da noite e de uma longa e diversificada conversa sobre o meio musical (que os 3 temos em comum, embora em áreas diferentes) o Picci saiu-se com a seguinte frase, a propósito da minha vontade (ou não) de seguir música em termos profissionais:
"Só a partir do momento em que começares a tocar violoncelo na casa de banho é que podes considerar a hipótese de seguir música..."Quando ele disse esta frase, eu apercebi-me de que ele tinha toda a razão.
Para seguir música, para fazer daquilo a MINHA VIDA, para TODO O SEMPRE (ok, estou a ser dramática...=P) é preciso estar numa simbiose tal com o instrumento, que até quando estou na casa de banho (esse ritual mágico!) estou a tocar. Porque ele faz parte de mim, e eu dele, e sem ele eu estou incompleta (ou devia estar, pelo menos) .
Como pode alguém sequer pôr a hipótese de fazer da música a sua vida, se não sente necessidade de estar
com o seu intrumento?
Ao tocarmos um instrumento, ele deve ser uma extensão de nós mesmos. Devemos demonstrar, através do instrumento, o que estamos a sentir... E é por isso que se diz que os instrumentos são a continuação da nossa mente.
Deve haver uma relação tão próxima entre nós e o intrumento que só através dele nos podemos sentir completos, porque ele nos faz expressar-nos, e porque através dele mostramos às pessoas aquilo que sentimos, da maneira mais pura que pode haver - a música.
O meu professor de violoncelo, Edoardo Sbaffi, costumava dizer que
"para tocar violoncelo é preciso sentir que estamos a fazer amor com ele." E, de facto, é. Fazer amor no sentido em que duas pessoas (ou, neste caso, pessoa e violoncelo...) estão tão emocionalmente ligadas uma com a outra, que se ligam fisicamente de uma maneira tão
gigante (como costuma dizer o Picci) que emana amor puro, e culmina num orgasmo - supremo prazer. E isso é a música.
Logo, se não se sente tudo isto, se não se suspira pelo nosso intrumento, se não se chora por ele, se não se vive
por ele e
com ele, como é que se pode querer ficar com ele e depender dele para o resto da nossa vida? É como um casamento, sim... (Já o Sbaffi o dizia!)
Deu-me que pensar...
[foto tirada por dd
, numa audição no IGL, em Maio]
Blog do Mus&Caldas
Só um pequeno aviso: para que os contactos entre o pessoal que partilhou a semana intensa do Mus&Caldas não se percam de ano para ano, a Eva teve a feliz ideia de criar um blog do Mu&Caldas! Por isso não se acanhem, visitem, postem e mantenham contacto!
http://caracolinhadomusicaldas.blogspot.com/
A professora
Os alunos esperavam lá fora, em grupo. As discussões acendiam-se, de uns para os outros, exaltados, nervosos, a debater pontos de vista, opiniões, soluções.
De repente, ela aparece. Lá no fundo do corredor, o som dos seus sapatos de salto alto vão batendo na pedra, compassadamente, ritmicamente, firme e convictamente. Lá ao longe, a sua figura negra vai crescendo à medida que se aproxima, o som dos saltos a ressoar no eco, e os alunos calam-se, a observá-la.
“Ela vem aí!”, sussurra um, mais pela confirmação do que pelo espanto, logo silenciado por um “Schiuu, cala-te!...” sibilante.
Ela chega por fim junto do grupo, contorna-os e vira-se de costas para eles, para abrir a porta. Ao entrar, são precisos 2 ou 3 segundos para que o grupo saia do entorpecido transe, para a seguir.
Entrar, sentar. Ao contrário da habitual algazarra inicial, desta vez os alunos sentaram-se, rápida e tão silenciosamente quanto possível, como se receassem sequer mexer-se ou mover-se. Quase como se ali, hoje, respirar fosse crime.
Alguém bate à porta. Os alunos entreolham-se, assustados. Um segundo, dois, e lá há um que se levanta, rápido, esforçando-se por não ser notado, e abre a porta, deixando ver uma aluna atrasada e assustada, que, rapidamente, balbuciando um murmúrio em forma de desculpa, atravessa a sala e se enterra no seu lugar.
Silêncio. Os corações batem, apressados. A tensão é palpável no ar; quase é possível estender a mão e agarrar uma rede de medo, insegurança e tensão que liga todos os presentes na sala.
Calma mas firmemente, o olhar dela começa a percorrê-los a todos. Um a um. Lentamente, a faiscar, como uma serpente a observar o ninho de ratos encurralados que tem à sua frente. Eles sabem, agora, que nada os pode salvar. Estão sozinhos com ela... Não há safa possível, não há salvação.
De repente, a boca dela abre-se, e todos os alunos retêm a respiração (julgo até mesmo ver um ou outro que fecha os olhos com força, à espera do impacto).
Da boca dela, saem as palavras:
“O sumário de hoje é…” e começa a debitar títulos genéricos relacionados com a análise de poemas de Cesário Verde.
Os alunos que tinham fechado os olhos abrem-nos subitamente, surpreendidos. Os outros entreolham-se, com expressões de interrogação nas faces, mas ainda com o mínimo possível de músculos em movimento.
Passam-se então cinco minutos desde que a professora começou a falar. Dez minutos. Meia hora, 45 minutos, 1 hora e 5 minutos. 1 hora e 15. Por fim, ao fim de 90 minutos de eterno e expectante sofrimento, toca uma estridente campainha, que os faz sobressaltar-se e remexer-se nas cadeiras. Ainda se olham, como que a perguntar-se o que devem fazer (mais uma vez a contradição com a habitual algazarra, desta vez final, de cada aula).
Por fim, como ninguém reagisse, há um que se levanta, despreocupado, rompendo o transe e o feitiço do medo que os mantinha a todos sentados. Logo após, um a um, dois a dois, cinco e dez de cada vez, lá se vão levantando e saindo, perguntando-se por que raio lhes tinha Deus concedido aquela bênção de aparente perdão.
Nem uma palavra foi dita. Às vezes, o silêncio é de ouro.
Posfácio: Este texto foi escrito numa aula de Português, com base na mesma, em condições muito especiais... Acho que quem foi aluno desta mesma professora sabe o que eu quero dizer... =P[Foto de Pedro Cerqueira]