01 agosto 2006

A professora


Os alunos esperavam lá fora, em grupo. As discussões acendiam-se, de uns para os outros, exaltados, nervosos, a debater pontos de vista, opiniões, soluções.

De repente, ela aparece. Lá no fundo do corredor, o som dos seus sapatos de salto alto vão batendo na pedra, compassadamente, ritmicamente, firme e convictamente. Lá ao longe, a sua figura negra vai crescendo à medida que se aproxima, o som dos saltos a ressoar no eco, e os alunos calam-se, a observá-la.
“Ela vem aí!”, sussurra um, mais pela confirmação do que pelo espanto, logo silenciado por um “Schiuu, cala-te!...” sibilante.
Ela chega por fim junto do grupo, contorna-os e vira-se de costas para eles, para abrir a porta. Ao entrar, são precisos 2 ou 3 segundos para que o grupo saia do entorpecido transe, para a seguir.

Entrar, sentar. Ao contrário da habitual algazarra inicial, desta vez os alunos sentaram-se, rápida e tão silenciosamente quanto possível, como se receassem sequer mexer-se ou mover-se. Quase como se ali, hoje, respirar fosse crime.

Alguém bate à porta. Os alunos entreolham-se, assustados. Um segundo, dois, e lá há um que se levanta, rápido, esforçando-se por não ser notado, e abre a porta, deixando ver uma aluna atrasada e assustada, que, rapidamente, balbuciando um murmúrio em forma de desculpa, atravessa a sala e se enterra no seu lugar.

Silêncio. Os corações batem, apressados. A tensão é palpável no ar; quase é possível estender a mão e agarrar uma rede de medo, insegurança e tensão que liga todos os presentes na sala.
Calma mas firmemente, o olhar dela começa a percorrê-los a todos. Um a um. Lentamente, a faiscar, como uma serpente a observar o ninho de ratos encurralados que tem à sua frente. Eles sabem, agora, que nada os pode salvar. Estão sozinhos com ela... Não há safa possível, não há salvação.

De repente, a boca dela abre-se, e todos os alunos retêm a respiração (julgo até mesmo ver um ou outro que fecha os olhos com força, à espera do impacto).
Da boca dela, saem as palavras:
“O sumário de hoje é…” e começa a debitar títulos genéricos relacionados com a análise de poemas de Cesário Verde.
Os alunos que tinham fechado os olhos abrem-nos subitamente, surpreendidos. Os outros entreolham-se, com expressões de interrogação nas faces, mas ainda com o mínimo possível de músculos em movimento.

Passam-se então cinco minutos desde que a professora começou a falar. Dez minutos. Meia hora, 45 minutos, 1 hora e 5 minutos. 1 hora e 15. Por fim, ao fim de 90 minutos de eterno e expectante sofrimento, toca uma estridente campainha, que os faz sobressaltar-se e remexer-se nas cadeiras. Ainda se olham, como que a perguntar-se o que devem fazer (mais uma vez a contradição com a habitual algazarra, desta vez final, de cada aula).
Por fim, como ninguém reagisse, há um que se levanta, despreocupado, rompendo o transe e o feitiço do medo que os mantinha a todos sentados. Logo após, um a um, dois a dois, cinco e dez de cada vez, lá se vão levantando e saindo, perguntando-se por que raio lhes tinha Deus concedido aquela bênção de aparente perdão.

Nem uma palavra foi dita. Às vezes, o silêncio é de ouro.



Posfácio: Este texto foi escrito numa aula de Português, com base na mesma, em condições muito especiais... Acho que quem foi aluno desta mesma professora sabe o que eu quero dizer... =P

[Foto de Pedro Cerqueira]

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