22 novembro 2006

P.M.

Hoje chorei. Há muito tempo que não chorava assim, desesperadamente, como alguém a quem lhe foi arrancada a alma a sangue frio. Solucei e tudo! (Ultimamente tenho chorado, mas soluçado – prova de que não são lágrimas nem de crocodilo, nem derramadas em vão – quase nunca). Chorei pelas coisas bonitas, pelas lembranças, pelas saudades, por reclamar um tempo que já foi meu e que agora já não é de ninguém. Chorei porque sei que peço tudo ao não querer mais do que (quase) nada.
Ainda choro. Tento não desesperar, suspiro. As lágrimas correm aos pares, uma de cada olho, duas de cada vez. Parece que há um metrónomo oculto que tudo coordena, a música, a tristeza, as lágrimas, os suspiros. Choro mais, porque quando se começa nunca se pára, e então choro por aqueles que não podem chorar porque já não têm forças para isso, e choro por mim, e por ti, e por nós. E choro por ele, e por ela, e por ele. Mas principalmente por ti.
E choro porque não há fundo no buraco invertido das lágrimas, elas caem e caem e nunca mais param. Eu já não posso mais, mas elas continuam a cair, sem me dar tréguas. Estou cansada de chorar. Cansada! Chorar cansa! Gostava de fazer greve de choro. Gostava de conseguir. Mas desesperar por ti impede-me de seguir em frente.

Se calhar desespero porque continuo a viver no passado, quando tudo eram baloiços e algodão doce cor-de-rosa. E passeios na Rua de Santa Catarina a fervilhar de vida e de gente, eu com os pés gelados e a mão quentinha pelo abraço da tua, com o cheirinho a castanhas a sobrevoar-nos, e um Outono presente e um Inverno a espreitar, encoberto pela fina névoa que atravessa a rua de mão dada com as pessoas.

Sabes do que é que tenho mais saudades? Do cheiro do teu casaco de cabedal. E das festinhas na cabeça, ao deitar. E do teu sorriso, o mais sincero do mundo (agora esbatido pela cinzenta solidão na qual insistes em te manter enterrado). E daqueles passeios na praia, ao pôr do sol, em que estávamos os dois tristes, mas sãos. E estávamos lá! E dos teus (maravilhosos) cozinhados em Aiana, acompanhados pelos ganidos insuportáveis do Canito...
Agora, toda a hesitação é dúvida. E a dúvida é morte.

Uma vez disseste-me: “Não deixes cair a nossa estrela, que já pouco mais tenho...”

Não quero mais chorar. Mas às vezes não consigo evitá-lo. Porque a mim, pouco mais me resta...


[ Meco, algures no Inverno de 2004 ]

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